Textos
Anita acordou, neste dia, de bem com a vida, abriu as janelas, tinha sol lá fora.
Sentiu o ar frio a lhe percorrer o corpo, embora vestida num pijamão de pelúcia e um chambre enorme para lhe agasalhar dos nove graus, que entrou gelado. Está alegre, o sábado sempre tem um efeito especial sobre ela, em seu humor, em seu cotidiano.Ela trabalha na prefeitura da cidade, chefia uma equipe de projetos, de vinte e duas pessoas, revisa e assina papeis, com uma responsabilidade que lhe dá prazer, estudou pra aquilo e o faz bem, mas como a maioria dos trabalhadores, dá graças a Deus, quando o final de semana chega, pra organizar sua casa, seu Eu, suas coisas.A semana, como sempre, foi estafante, um burburinho de gente, bate-papos, por vezes, acirrados, sobre jogos da dupla Inter e Grêmio, a novela das oito, com atores perfeitos, sarados e que vivem uma vida pouca parecida com as pessoas normais, as modas, as plásticas da fulana, chefes exigentes, normal. Pior é ter que engolir em seco, a situação constrangedora da colega, com o olho roxo e aquela sensação horrível, de que nada é possível fazer, ou dizer. Como pode uma mulher aguentar tamanha humilhação? O processo psicológico deve enlouquecer qualquer uma, porque nada e nem ninguém a convence de sair do jogo, nem conselhos de amigos, familiares e colegas, que afirmam ser caso de polícia, e é, de que tem que livrar-se do carrasco, mas nada, continua refém e insiste, resiste e os resultados aparecem no rosto e nos olhos tristes e vagos.Mas é sábado, deixa as coisas e problemas que vive lá, não dá pra resolver o mundo mesmo, o que pode é rezar por ela, torce que Deus lhe dê forças para um dia sair dessa situação. Mas hoje quer pensar é em si, viver seu momento, pensa nas suas possibilidades, no que tem a fazer, meu Deus como passa rápido o tempo! Já são 10h! Correu para o banho quente, afinal, os nove graus estão a exigir até aquecedor para tirar a roupa e, fica horas (força de expressão para esclarecer uma ação que não passa de 20 minutos), daquelas de sais e aromas em sua banheira que expande fumaça pelo ambiente. Sente o prazer da água aquecida a lhe escorrer pelo corpo esguio, tira suores e espanta energias ruins. Seus cabelos e corpo ficam perfumados, seca-se rapidamente, faz uma escova e chapinha, enquanto prepara-se para o seu sábado e para os próximos dias. É a maneira de se manter no controle das coisas, ou por ser final da semana, que pode pensar e rever com calma a vidinha que leva, seus compromissos, decisões, o que deixou para trás, o que foi perfeito, bom ou ruim. É um exercício, onde se mantém crítica e em estado de alerta. E alerta-se, está pensando já em seu computador, será que ele está a lhe esperar? Será que Hoje quem sabe algo de bom aconteça?Será que ele vem? Ela acredita que tudo de bom ou ruim, sempre, lhe acontece aos sábados.Olha-se no espelho, sabe não ser uma deusa, mas pra feia também não serve, é uma mulher loira, pele clara, que já apresenta traços do tempo no rosto, é alta, magra, corpo bem feito e nunca quis casar, prefere ter a liberdade de escolhas ao alcance da mão. Tem seu preço, às vezes sente-se só. Namorados? Muitos e agora vive um proibido, que lhe tira a paz.Vestiu uma roupa grossa pra enfrentar o frio, faz um café preto, acende um cigarro e acessa a internet, seu passatempo preferido, que a deixa conectada com um mundo mágico, onde tudo pode acontecer.Aguardou. Esperava por ele, o Paulo, para acarinhar-lhe, mesmo que seja só pela tela, mas sentir o gosto na boca da sensação de um beijo, do cheiro dele, de vibrar com aquele sorriso e sentir-se amada por inteiro, que coisa estranha essa do computador! Uma máquina, que a faz sentir amor e tesão, com a doce impressão, de pelo menos por alguns instantes, ser única, a deusa que ele deseja e ama!Ele é um homem bem mais novo que ela, no mínimo uns 15 anos, loiro, alto, sarado, olhos verdes, lindo. Conheceram-se na internet e a beleza do homem fez Anita perder a cabeça. No entanto, ele é comprometido com a profissão, filhos de um casamento desfeito e uma ex, que está sempre à volta. Ele só quer aventuras, sexo e sabe ela, que nada de compromisso, gosta dela, mas não arranja tempo para ela. Não se esforça. Ela se ressente porque é a primeira vez que sente vontade de ter um homem a seu lado.- Sonho! Viagem! Te acalma Anita, diz para si, com o coração batendo forte. Sente-se viva, mas quer mais, muito mais...Recompõe-se. Ele só tem estes momentos a lhe dar, e como ela fica feliz! Mas ao pedir-lhe o mundo real, enche-se de desculpas, as de sempre, já são quase dois anos assim, que a remoem por dentro. - Não dá, os filhos me esperam... A mulher quer Eu vá ali... Tem jogo hoje... Não sei quem, tá doente... Sim vamos nos encontrar, calma...Pensa. Porque se contenta em receber quase nada? Aliás, nada.Baixa autoestima? Não. É uma mulher bem resolvida, tranquila, paciente, tolerante, em paz. Está apenas como refém da situação, vive o drama de um amor louco e cheio de ausências, por um homem que sabe bem o que quer: passar o tempo. Abriu o site, ele está ali. Falam do dia, do trabalho, do sexo que fizeram e vão fazer, da possibilidade de tudo ser diferente. Ele passa uma conversinha e ela finge que está tudo bem. As poucas palavras - ele sempre ocupado - parecem aliviar-lhe a ânsia de tê-lo, mas não dá para fingir, no fundo sabe, não o tem, não é deusa, nem aqui nem na China e muito menos, a amada que gostaria de ser. Dói.Leu alguns e-mails, passeou nas Redes, tentou se distrair, mas o pensamento está fixo naquela luzinha que acende e apaga na tela do computador. Vê a manhã ir embora, tenta retê-lo ao máximo, mas a hora chega.Ele se despede amoroso, como é sedutor! E cheio de desculpas se vai. Ela fica como se largada no canto.- Será que gosto de sofrer?O dia, que antes parecia bom, agora perde a cor, o frio corta o osso, gela sua essência e ela fica sem graça, impaciente e triste. Na cabeça, um turbilhão de ideias mirabolantes para fugir do que sente, cheia de coragem, diz mil vezes que vai encerrar de vez o assunto, mas na hora H, a da maldita luzinha, cai tudo por terra.Ela o ama, ele não, sente-se vibrar e a pior coisa do mundo, é ter essa certeza. Ela resistiu a ele tudo o que pode, mas a carência falou mais alto.Não poder reviver aqueles encontros que lhe tiram o ar, de ser correspondida no seu querer, de poder mais uma vez tocar-lhe, sentir seu cheiro, seus beijos na nuca, um amar sem olhar o relógio e de rir muito das bobagens. As vontades não realizadas deixam-lhe um vazio e a impotência, entende o que sua colega deve sentir, aquela do olho socado, lembram? Ela também vive um dilema, que exige uma decisão difícil.As horas passam, armada de certezas e coragem, repete várias vezes que vai virar a página e seguir adiante. Não quer dentro si dor, aquela faca enfiada no peito, não quer viver o nada, ou de esperanças. Quer poder amar, sem amarras, livre, intensamente. E receber de volta na mesma intensidade. O que sente é doença, é vício, talvez fruto de tantos amores mal resolvidos.Embora relutante repete pra si mesma que precisa que o coração escute, assimile e concorde com a razão. Mas ele, o tum-tum, se faz de bobo.Quem sabe possa resistir ao efeito da luz que acende e apaga diante de si. Pensando assim envolveu-se com almoço, a agenda da semana, contas a pagar e foi ao Shopping, comprou roupas novas, nada melhor que compras para afastar a tristeza, fez um mercado cheio de bolos, chocolates, um vinhozinho especial para aquele frio e as coisas de sempre. Voltou para casa feliz, olhou o computador, a luzinha estava acesa...O coração fica aos pulos. A decisão ficou para o outro sábado.
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Soninha Porto Flor
Enviado por Soninha Porto Flor em 14/08/2011
Alterado em 11/05/2020
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